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O Carrasco, O Bobo da Corte e a Glória Eterna

  • Foto do escritor: Gandulas
    Gandulas
  • 29 de nov. de 2021
  • 5 min de leitura
Dos caminhos tortos que levam ao sucesso inenarrável, poucos deles são tão marcantes quanto levantar a Taça mais almejada da América do Sul, ainda mais sendo um personagem polêmico, louco e deixado de lado, o prato cheio para a Glória Eterna.


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Foto: Palmeiras/ Ag. Palmeiras


Como uma boa trama de suspense, o sentimento de tensão a flor da pele pairou toda a semana pelo ar de Montevidéu, afinal, mesmo uma cidade que vive o futebol, nunca está preparada para uma final de Libertadores, até sendo de times de outros países. Na tarde de sábado, o show, programado pela Conmebol para americanizar o espetáculo, não conseguiu, obviamente, apaziguar o clima de guerra que ronda o torneio, mas viu personagens entrando na história, das mais variadas maneiras, seja pela ousadia de um técnico que até pouco tempo mal sabia o significado de futebol sul-americano ou o imponente esquadrão rubro negro do lado oposto. Após a invasão brasileira em Montevidéu, a cidade passa a ter um trecho da Estrada dos Bandeirantes e da Rodovia Ayrton Senna em sua planta terrena, ao passo de que flamenguistas e palmeirenses passaram a ter trechos da Avenida Dr. Américo Ricaldoni em suas peles. Tudo isso é poeira cósmica no confronto perto da maior das anomalias que o futebol permite, heróis improváveis e, muitas vezes, descartados garantindo a alegria máxima dos torcedores no apagar das luzes, e disso, disso a Libertadores se alimenta bem.



O épico e o Folclore são constantes na Copa e não há muita coisa mais marcante que um gol na prorrogação garantindo o título. Logicamente o futebol é remédio para muitos, mas se tivesse uma bula para ele, garanto que todos eles continuaram com essa medicação mesmo após lidos os efeitos colaterais. As noites estreladas e em claro pelo êxtase da vitória ou aquelas onde o silêncio da derrota grita no fundo da alma de torcedor que existe em cada um. A festa que sempre foi surreal na competição tem morrido aos poucos, mas ainda vive em nossa memória, nem preciso falar dos pincharratas dos Estudiantes em 2009 no primeiro jogo da decisão e sua representação de inferno na Terra, graças ao Fábio, em dia completamente divino, não comemoraram nenhum gol, Deus sabe lá o que aconteceria naquele estádio após a explosão de comemoração argentina.



Voltando ao Centenario, o estádio que viu a invasão argentina na primeira conquista do Boca Juniors e toda a mística xeneize criar força no continente, hoje vê também uma decisão em campo neutro, porém diferente das 3 finais de 1977, essa foi única, dadas as mudanças de regulamento de nossa querida Conmebol. Considerando o domínio recente brasileiro na disputa, com 10 títulos no século, classe aliada ao dinheiro e melhor, em alguns casos, administração dos clubes em comparação ao resto do continente, não seria de todo improvável dizer que em alguns anos (posso estar queimando a língua, mas diria uns 10) o Brasil ultrapassaria a Argentina em número total de conquistas por nação.



Vale lembrar que nada nesse continente é realmente lógico, como o Alianza Lima rebaixado esse ano e conseguiu na justiça permanecer na primeira divisão e se coroou campeão esse fim de semana. Não sei se é conhecimento público, mas ao fã de futebol da América do Sul é, alguns dos locais mais inóspitos e hostis do mundo se encontram em qualquer uma das 4 bandeiras de escanteio do Defensores del Chaco e de La Bombonera, onde os policiais precisam de usar escudos para proteger os cobradores de escanteios das pedras e demais objetos arremessados ao campo, além, é claro, tem de ser lembrada a altitude boliviana e seu 12º homem, o ar rarefeito. Todo esse traço epopeico é levado adiante pela cultura de torcedores desse solo sagrado. Moro há mais de 400km do mais próximo dos 3 epicentros do terremoto de sábado e, ainda assim, senti o baque em casa, então tive de buscar um recurso útil, sair de casa, mas fui tolo, pois no supermercado o assunto era o mesmo, o Santo Graal do aficionado latinoamericano. A única razão explicável é que o continente ainda pulsa em suas veias, e muito, o esporte e a paixão, mesmo após tantas tentativas de matar nossa Glória Eterna.



Os sujeitos por trás da celebração continental, estavam vívidos em dois, Gabriel Barbosa, o Gabigol, com sua pontaria definida como um finalizador de almanaque, o sangue frio de um carrasco e sua alma já marcada pela enormidade da Copa (2019 que o diga), e o herói que o palmeirense precisava, mas não sabia, na figura de um emblemático e teatral Deyverson. Apesar do gol de empate com a qualidade de quem faz como poucos, a falha de Gabriel, a versão humana do artilheiro, foi tocar a taça, porque todos sabemos que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, ainda mais um raio com ditado popular. Afinal, como no caso de Midas, o toque é destrutivo e La Copa se mira y no se toca.



Um torneio que já coroou Riquelme, Alberto Spencer, Pelé, Luis Cubilla, Pancho Sa, Tévez e, mais recentemente, Neymar, viu-se definido por uma falha de saída de bola com experiência europeia, e nos passos errantes do vascaíno de nascença, Deyverson, a ficção beijou a realidade aos sons galopantes da comemoração da torcida vendo a bola lentamente encontrar o gol. No futebol jogado aqui, não há espaço para racionalidades e sanidades, o mais louco, arriscado e ousado sempre sobressai, não foi diferente dessa vez.



É necessário fazer das tripas coração para sobreviver aqui, e estar ciente de que sua parte morta é a sanidade, porém você tem de saber separar sua insanidade entre crônica e passageira. Abel Ferreira soube fazer isso, pois em todos os rincões do mundo, nenhum técnico tiraria o autor do gol da final para colocar um jogador contestado, mas nesse pedaço de terra é diferente, esse pedaço de terra que compreende a América do Sul, que compreende a Libertadores, não se dança conforme a música, a música tem de dançar conforme seus movimentos, sempre antevistos. Ele fez tudo isso melhor que ninguém esse ano, não poderia ser diferente o resultado, agora carrega na bagagem dois troféus em 1 ano, feito histórico, com personagens inusitados e a pitada de sal e pimenta nos olhos que é pelear na Libertadores. Mesmo com a comemoração antecipada dos jogadores do Palmeiras, uma BAITA afronta aos deuses do futebol, o elenco alviverde entendeu como jogar a competição, apanhou, nem sempre foi o melhor, mas sempre foi o mais calejado pra isso, não a toa levantam o caneco, com merecimento total.



O insano entra, mais uma vez, nos contos libertadores do continente e na história, um tanto quanto cruel e graciosa, que esses campos viram ao longo dos anos. Talvez por isso, com todas suas incertezas, imperfeições e batalhas, a Libertadores seja um desejo tão vivo em seus lutadores e não há razão em imitar a Europa, porque eles jamais serão apaixonados como nós somos. Apaixonados, loucos, lunáticos até, mas sempre, sempre mesmo vivendo o contexto e a Guerra nas quatro linhas. Deyverson entra pra galeria de heróis palestrinos incomuns com Betinho e Breno Lopes, e entra pra galeria também do Teatro com seu encontro com o árbitro Pitana ao fim da partida, tudo perfeitamente balanceado, um ser ousado, insano, falho, mas um herói no continente com a personalidade de um Bobo da Corte e na memória alviverde, ao menos enquanto dura a Lua de Mel, sempre muito curta em nosso canto do mundo, entre os torcedores e o time continuar.




 
 
 

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